15  Aplicações

Com os resultados obtidos e as bases geradas no mapeamento de áreas resilientes às mudanças climáticas é possível apoiar a formulação de políticas públicas de conservação, restauração e uso sustentável dos recursos naturais em diferentes escalas espaciais. A base de informações gerada pode ser útil para o planejamento na esfera nacional, por bioma e mesmo em recortes espaciais menores como estados, bacias e outras unidades espaciais. Esses resultados poderão ainda ser avaliados nestas distintas escalas para entendermos melhor as vantagens e limitação de seu uso. Essas bases podem também ser úteis em pesquisas ecológicas e de conservação visando compreender os efeitos dos diferentes componentes da paisagem (heterogeneidade do relevo, conectividade e resiliência) sobre espécies focais, guildas e comunidades.

Um outro ponto importante é a consideração de como essas bases podem ser úteis para apontar áreas importantes para a restauração, uma vez que a resiliência às mudanças climáticas raramente é um critério utilizado na busca destas áreas. A importância da restauração ativa e passiva é hoje uma prioridade global amplamente reconhecida e estes resultados podem indicar, junto com outras informações, áreas onde podemos otimizar nossos esforços de conservação frente às mudanças climáticas.

É possível pensar em estratégias de conservação, restauração e uso sustentável da terra para cada um dos quadrantes apresentados na classificação de resiliência. Por exemplo, no recorte apresentado na Figura 15.1 são apresentadas variações do mapa de resiliência para a região do Parque Indígena do Xingu e do Parque Nacional do Araguaia considerando apenas as classes representativas de cada um dos quatro quadrantes: quadrante Q1 - classes 11, 12, 21, 22 (Figura 15.1 A); quadrande Q2 - classes 13, 14, 23, 24 (Figura 15.1 B); quadrante Q3 - classes 31, 32, 41, 42 (Figura 15.1 C); e quadrante Q4 - classes 33, 34, 43, 44 (Figura 15.1 D).

Figura 15.1: Exemplo da classificação de resiliência da paisagem e divisões dos quatro quadrantes da escala bivariada de cores, focando na região circundante do Parque Indígena do Xingu e Parque Nacional do Araguaia. As variações apresentadas representam: (A) áreas classificadas no quadrante Q1, com baixa heterogeneidade da paisagem e baixa conectividade local; (B) áreas classificadas no quadrante Q2, com alta heterogeneidade da paisagem, mas baixa conectividade local; (C) áreas classificadas no quadrante Q3, com baixa heterogeneidade da paisagem, mas alta conectividade local; e (D) áreas classificadas no quadrante Q4, com alta heterogeneidade da paisagem e alta conectividade local.

As áreas de maior resiliência (áreas em verde do quadrante Q4) são aquelas com maior potencial para conservação no futuro, pois, indicam locais com maior heterogeneidade da paisagem e conectividade local e que oferecem melhores condições para que organismos e espécies tenham habitats mais diversos, favorecendo sua persistência frente às mudanças climáticas futuras (Figura 14.14). Essas áreas apresentam valores de médio a alto (classes 33, 34 e 43) e também muito alto de resiliência (classe 44). Essa classe muito alta de resiliência (classe 44) representaria a classe de mais alto valor de resiliência entre as demais.

Locais com alta conectividade local, mas baixa heterogeneidade da paisagem (áreas em amarelo do quadrante Q3), embora não apresentem resiliência elevada, apresentam baixa resistência à movimentação de organismos e vegetação natural mais preservada, e podem ser importantes para conservação, pois têm potencial de permitir o deslocamento e fluxo de indivíduos na paisagem. Ou seja, são locais que funcionam para facilitar o fluxo da biodiversidade, servindo como potenciais corredores ecológicos.

Por outro lado, locais com alta heterogeneidade da paisagem, mas baixa conectividade local (áreas em azul do quadrante Q2), embora não apresentem resiliência elevada, são locais com alto potencial de aumento da resiliência, tão logo a vegetação nativa seja recuperada. Nesses locais, ações de restauração podem propiciar o restabelecimento da vegetação nativa, aumentando assim a conectividade entre fragmentos e aumentando a resiliência da paisagem. Assim, corredores ecológicos entre áreas naturais devem ser estabelecidos ou preservados a fim de promover o fluxo da biodiversidade.

Por fim, locais com baixa resiliência (áreas em cinza do quadrante Q1), que são aqueles mapeados com baixa heterogeneidade da paisagem e baixa conectividade local, apresentam baixo potencial para aumento da resiliência. Esses locais poderiam ser indicados para uso mais sustentável da terra e provisão de serviços ambientais, gerando regiões com menor resistência da paisagem e que oferecem menor impacto para a biodiversidade.

Um outro ponto importante que pode ser abordado com base em nossos resultados é a efetividade de conservação das áreas protegidas (unidades de conservação e territórios indígenas) atuais considerando o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade. É possível identificar áreas potenciais para restauração de modo a aumentar a resiliência da paisagem e promover a conexão entre áreas resilientes e conservadas, bem como identificar possíveis corredores resilientes entre áreas protegidas. Estratégias de restauração podem ser adotadas para aumentar a conectividade em locais que propiciem, como indicado no esquema de classificação de resiliência da paisagem (Figura 15.2), a mudança de situação entre classes da esquerda para a direita: por exemplo, direcionando ações em locais indicados como classe 14 para que, no futuro, a conectividade aumente e eles mudem para a classe 24 (o mesmo se aplica das classes 24 para 34, e de 34 para 44).

Figura 15.2: Resiliência da paisagem com sobreposição dos limites de terras indígenas (em vermelho) e unidades de conservação (em violeta) no Brasil.